Crise dos vinte e tantos

Às vezes eu só queria não sentir o peso do mundo nos meus ombros e não precisar me importar com o vencimento da conta de luz ou telefone. Às vezes eu só queria de novo aquelas milhões de ligações da minha mãe para saber onde estou e a que horas irei chegar em casa. Às vezes eu só queria ter apenas aquela preocupação sobre o campeonato de xadrez do colégio. Às vezes eu só queria acordar domingo de manhã cedinho, ir à feira com meu pai e comer um pastel e beber um caldo de cana. Às vezes eu só queria uma cápsula do tempo para voltar uns 10 anos e avisar àquela menina de estilo meio emo, que sente que não se encaixa, para que ela não queira crescer tão depressa, pois ser adulto nem é tão legal assim. Às vezes eu só queria voltar a escrever a partir de coisas imaginárias e não com experiência de causa, porque cada linha escrita, dói. Às vezes eu só queria acreditar um pouco em histórias de príncipes e princesas, já que eu nunca acreditei. Às vezes eu só queria não ter que marcar a minha própria consulta médica. Às vezes eu só queria não ter preocupações com as crises econômicas e/ou políticas do país. Às vezes eu só queria brincar de queimada de novo, com aquelas pessoas que seriam amigos para sempre, lá na Rua Baiaré, de onde dava para ver o portão de casa e aquela árvore que tem em frente até hoje. Às vezes eu só queria voltar à época de férias escolares com as minhas primas e comer miojo e brigadeiro de madrugada. Às vezes eu só queria chegar na cozinha da vó e sentir aquele cheiro de macarrão com salsicha, que eu adorava. Às vezes eu só queria poder me atrasar sem me preocupar tanto, pois hoje um atraso é irresponsabilidade demais. Às vezes eu só queria chorar como antes, as lágrimas são cada vez mais incomuns, parece que com o tempo a gente vai secando por dentro. Às vezes eu só queria não ter tantos prazos para cumprir. Às vezes eu queria voltar a achar filosofia e sociologia um saco. Às vezes eu só queria não ter preocupações sobre dietas e afins. Às vezes eu só queria não precisar levantar da cama quando estou gripada. Às vezes eu só queria andar descalça no quintal de casa e ouvir a mãe ou a vó gritando para calçar um chinelo. 

Às vezes a gente cresce para o mundo, mas o crescimento do nosso mundo interno não acompanha no mesmo ritmo, então tudo dentro da gente vira uma confusão descomunal. Ser adulto é viver na corda bamba entre a ordem e o caos, é ter um pula-pula de emoções dentro de si, é brincar de faz-de-conta com os problemas, é como ralar os joelhos e dizer que não foi nada demais, sendo que agora é com o coração.

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