Uma carta para o céu

Faz um pouco mais de seis anos que ele se foi, e que saudades do meu velho. Um dos meus maiores incentivadores, do melhor contador de histórias e de lembranças. 

Saudades do senhorzinho que ficava conversando comigo no quintal de casa, perto daquele pé de caju e comentava sobre os desenhos que se formavam nas nuvens. Saudades daquele que me ensinou a andar de bicicleta pela primeira vez e do papai noel da família, que ficava exclamando em todos os natais “Ho Ho Ho Papai Noel chegou”. Saudades daquele que se aventurava a tomar banho naquela piscina de plástico comigo e com a minha irmã, e que mal cabíamos nós duas. Saudades daquele que demonstrava pela minha avó o amor mais singelo que já vi até hoje, lembro perfeitamente dos beijinhos que ele dava nela e ela, muito sem jeito, retribuía resmungando alguma coisa que não dava para entender, pois tinha vergonha disso na frente da gente. Saudades do cheiro de café quentinho no meio da tarde que ele sempre tomava e dos farelos de bolo de fubá que a vó fazia caindo na barba dele, e com ele que aprendi o gosto por café. Saudades de ouvi-lo reclamar de não ter ganhado na Tele Sena ou sobre as muitas combinações de números e animais do jogo do bicho que ele ia toda tarde apostar depois do café, e até hoje não entendo como funciona mesmo depois dele ter me explicado infinitas vezes. Saudades da simplicidade dele e do jeito amoroso e brincalhão que ele tinha com a gente. Saudades das promessas de presentes que ele nos daria quando recebesse os seus atrasados trabalhistas, mal sabendo ele que o maior presente da vida foi o prazer de tê-lo tão presente na minha infância e adolescência.

Durante muito tempo eu senti calada a dor da partida dele, queria ser forte, não queria que as pessoas fizessem perguntas, então aproveitava os momentos que eu tinha sozinha pela rua para chorar, era inevitável segurar a lágrima quando eu me via longe de alguém. E quando notavam e era questionada sobre os olhos vermelhos, dizia que era alergia ou algo assim. Aprendi a compartilhar a dor da perda aos poucos, e pude perceber que conforme mais eu falava sobre a pessoa que ele foi, o aperto no peito minimizava. Hoje eu entendo que sentimento, seja ele qual for, nós temos que colocar para fora, gritar aos quatro cantos, senão ele sufoca e dói o dobro. Talvez ele tenha sentido de onde estiver tamanha necessidade que surgiu em meu coração de vê-lo, de saber como está, o que anda fazendo. E depois do nosso encontro daquela noite, pude ter certeza que ele está bem. Agora, quando a saudade vem, ela traz as memórias doces do meu velhinho de barba e cabelos brancos e fica uma sensação de paz e gratidão por ele ter compartilhado comigo a sua morada neste mundo.

Comentários

Postagens mais visitadas